sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

πόρεν δ' ὅ γε σήματα λυγρὰ

Acabei de receber a Ilíada do West, e num breve coup d'oeil pude verificar as grandes qualidades e os grandes defeitos dessa edição. A começar, ela é overwhelming, 3 volumes para os 16 mil versos, da mítica editora Teubner, é realmente impressionante, cerca de metade da página é ocupada pelo aparato crítico que, por sua vez é dividido no aparato relacionado às edições alexandrinas, com informações de Aristarco, Zenódoto, etc, e na parte de baixo com as notas críticas ordinárias com informação dos manuscritos medievais. Trata-se de uma grande decisão, pois a longuíssima e muito frutífera discussão sobre o texto de homero da escola Alexandrina (que podemos redescobrir após a histórica publicação dos escólios alpha por Villoison, naquele que pode ser chamado de momento mais importante da história da filologia) nos deixa em uma posição completamente diferente da de um texto ordinário, como, par example, as comédias de Aristófanes.

De um certo modouma edição de Homero é completamente diferente da edição de qualquer outro texto, e sempre ao fazer uma edição homérica está-se produzindo mais um item na longuíssima questão homérica. West está mais do que ciente disto e produz uma alternativa completamente radical: ele deseja reproduzir o texto que na sua opinião foi ditado e produzido no século VI a.C. Um filólogo sóbrio normalmente contenta-se em reproduzir o arquétipos das edições modernas, o que normalmente nos deixa com um texto que se aproximaria do século VIII d.C., apenas com este dado pode-se ver como a tentativa de West é ousada.

O problema mais óbvio, e é um ponto central, é que, a despeito dos enormes argumentos de West (na verdade ele costuma apenas seguir o que fora proposto por Adam Parry, com os quais eu mesmo concordo), nem todas as razões estão provadas e há muita gente boa que produz teorias alternativas.. O que faz com que as várias decisões, como a de legar vários e vários blocos de versos para as notas críticas, e às vezes mesmo alterar a posição de versos inteiros no poema, seguindo sugestão de Zenódoto (há quem o acuse de um viés Zenodotiano, a o ponto onde se é possível chegar com o odium philologicum), sejam absolutamente radicais, afinta, são meras sugestões. Portanto, apesar do enorme trabalho, ficamos com uma edição que é um produto extremamente dependente de uma visão da obra de Homero, à qual se somam várias decisões radicais e talvez duvidosas. De forma com que você é privado às vezes de uma visão mais sóbria e tradicional de Homero.

Por esta razão que fiquei desapontado com o imenso trabalho do West. A edição de van Thiel, que saiu pela Olms na década de 90 é bastante mais sóbria e ainda vem com uma curiosidade: os sinais alexandrinos estão todos presentes (os gramáticos inseriram uma série de sinais no texto que possuem vários sentidos, desde a dúvida da autenticidade de um verso, até um comentário sobre a qualidade de outros), de forma que possuímos o julgamento deles, mas sem tomar partido. van Thiel é um dos últimos expoentes da quase morta linha analítica de Homero, aqueles que pensa(va)m que Homero constitui em um imenso patch-work de autores diversos. Apesar disso ele raramente deixa-se levar por suas convicções e produz uma obra bastante sóbria que nos introduz o texto de Homero de forma limpa para que nós mesmos possamos tirar nossas conclusões a seu respeito. Das novas Ilíadas, é esta que recomendo.

Concluindo, pode-se dizer, tal qual aquele bon mot de que os homens gostam das loiras, mas casam-se com as morenas, que os filólogos gostam dos oralistas e compram seus livros, mas acabam usando os textos dos analíticos.

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